domingo, 18 de outubro de 2009

Edição nº24


Crónica

A Turquía e a União Europeia


A primeira coisa que perguntei ao primeiro turco que encontrei foi "qual é o sentimento da Turquia sobre a adesão à União Europeia?". De certa forma, foi uma pergunta muito positiva porque, sem ser agredido fisicamente, fiquei a saber qual um dos tópicos sensíveis na Turquia e aprendi uma série de expressões de enorme desconforto (leia-se, palavrões). No final, o meu interlocutor resumiu os seus sentimentos em "espero que os nossos políticos esqueçam essa ideia, porque a dignidade dum povo tem os seus limites!". Não o sabia previamente, mas nos dias seguintes utilizei um método expedito para determinar as possibilidades da Turquia entrar na União Europeia.

Quando entrei no barbeiro, um jovem de vinte e poucos anos, fã do Cristiano Ronaldo, esmerou-se a cortar-me o cabelo de acordo com o desenho que eu tinha escolhido numa revista de penteados que havia na barbearia. Era impossível a comunicação porque o inglês dele apenas era comparável com o meu turco. Apesar disso, tudo estava a correr normalmente e fiquei positivamente surpreendido por utilizar uma lâmina descartável. Na verdade, estava tudo a correr bem até que aproximou uma chama das minhas orelhas e me queimou! Fiquei tão surpreendido que estive para fugir, mas ele não me deixou mexer. No momento seguinte, já estava a enfiar um instrumento pelas minhas narinas e a aparar-me os pelos do nariz. Não contente, continuou nas sobrancelhas. Estudei a distância até à porta e, quando me preparava para correr, ele enfiou-me a cabeça dentro de uma bacia cheia de água e lavou-me, em simultâneo, a cabeça, a cara e as orelhas... Quando me libertou, eu estava tão baralhado e sem fôlego que não tive discernimento para efectuar qualquer gesto, até porque ele já me estava a colocar uma loção misteriosa na cara. Rendi-me ao mesmo tempo que sentia os músculos da cara a descontraírem-se. Nesse momento percebi que o Ocidente perdeu esta capacidade de tocar nos outros sem complexos. Aqui os homens andam de mãos dadas com os homens e cumprimentam-se de beijo na cara. Em Portugal é impensável que um homem cumprimente desta forma alguém do mesmo sexo sem que seja seu familiar directo. A sua sexualidade seria imediatamente posta em causa. Olho para o lado e, escândalo!, está uma criança a fazer uma massagem nos ombros de um maganão! Não é possível. Chamem já a polícia! Ainda por cima, o maduro parece estar a gostar! "Calma, Frederico, pensa... Entre esta criança, nitidamente familiar do barbeiro, estar alienada a jogar PlayStation, a drogar-se ou a consumir outros estupefacientes (televisão, álcool, etc) ou a ajudar a família, fazendo uma operação delicada, responsável e lucrativa, o que te parece melhor?". Oh, não! Agora passou à face! Os dedos da criança passeiam sobre a cara do homem fazendo gestos circulares, experientes e competentes. A expressão de delícia do adulto não dá margem para dúvidas. Estou baralhado. Estou mesmo baralhado... Isto, nos meus olhos ocidentais, parece-me francamente errado, mas não consigo encontrar justificação forte para a minha moralidade de trazer por casa. No final, verifico que o cliente, para além de ter pago uma bela maquia pelo trabalho de corte de cabelo (versão completa, como o meu) e restante serviço, ainda pagou uma generosa gorjeta ao rapaz, o equivalente a um almoço.

Queimar, praticamente, afogar um cliente e usar trabalho infantil... Apenas numa simples ida ao barbeiro, fiquei a perceber porque é que a Turquia nunca entrará na União. Estou a voar sobre a Turquia, despedindo-me deste vasto e populoso país com saudade. Quando olho lá para baixo penso que, realmente, eles não precisam.


Frederico Cardigos


Colaboradores:

Ilustração: Catarina Krug
Crónica: Frederico Cardigos
Cinema: Aurora Ribeiro e Miguel Machete
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia, Miguel Valente e Tomás Silva
Literatura: Ilídia Quadrado
Ciência e Ambiente: José Nuno Pereira e Pedro Monteiro
Gatafunhos: Tomás Silva
Revisão: Sara Soares
Lacunas: Frederico Costa


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quarta-feira, 14 de outubro de 2009

CARLOS MEDEIROS & Os Outros - Lenga Lenga
Aniversário Fazendo na C.A.S.A., Horta, a 10 de Outubro de 2009

sábado, 3 de outubro de 2009

Edição nº23


Crónica


Uma vez li numa parede que a “A ética é estar à altura do que nos acontece” (Gilles Deleuze). Esta afirmação pode ser verdadeira para os tempos mais conturbados, onde naturalmente se esperam comportamentos éticos e épicos, mas também para os tempos mais calmos. Mesmo quando tudo está conturbado à nossa volta – no país e no mundo – é possível sentir, no Faial, que estamos numa ilha onde há tranquilidade, há paz.

Mas esse privilégio, o da “ilha de paz” pede que se faça algo. Assim, para estarmos à altura do que nos acontece, para estarmos à altura dessa paz, harmonia, beleza, que se nos oferece é desejável que algo se faça no sentido da manutenção desse estado. O fazer em prol de, o dar, não é um dever mas sim uma oportunidade que nos é concedida. Porque quando estamos a dar, quando temos essa oportunidade, temos também oportunidade de receber em satisfação, em sentido de cumprimento da nossa missão.

Nos Açores as dádivas por parte da paisagem são múltiplas: cada mergulho no mar é uma dádiva; cada pôr-do-sol no Pico é também uma dádiva; aqui o mar e a terra conjugam-se para criar uma paisagem viva, jovem, vibrante, em constante mutação, mas, ainda assim, com um carácter muito próprio. Como retribuir? Como dar à paisagem e assim assegurar um equilíbrio subtil feito da relação entre o homem e o meio natural?

Uma hipótese será através da resolução das fragilidades que essa paisagem apresenta e que são visíveis, por exemplo, na proliferação de vegetação invasora introduzida pelo homem. Este é um grave problema colectivo que requer um empenho colectivo, enquanto sociedade e governo, mas também individual.

E o empenho individual pode ser de molde a que cada um de nós decida dar algumas horas do seu tempo livre ao combate das invasoras em áreas protegidas, como é o caso da Paisagem Protegida do Monte da Guia. Este tipo de comportamento beneficia em primeira instância quem o tem, e beneficia, em segundo lugar, a paisagem.

Com a organização do Jardim Botânico do Faial e inserida na tese de doutoramento “A preservação do carácter da paisagem açoriana: aplicação em áreas protegidas nos Açores” está em preparação uma acção de voluntariado para erradicação de invasoras na Paisagem Protegida do Monte da Guia. Vamos ajudar?



Cláudia Gomes


Colaboradores:

Ilustração: Paulo Neves
Crónica: Cláudia Gomes
Entrevista: Aurora Ribeiro
Cinema: Aurora Ribeiro e Fausto Cardoso
Arquitectura e Artes Plásticas: Ana Correia e Pedro Monteiro
Literatura: Ilídia Quadrado
Ciência e Ambiente: Ana Pinela, Cláudia Gomes, Cristina Carvalhinho, Dina Dowling e João Melo


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