domingo, 28 de dezembro de 2008

Edição nº7




Ao longo das nossas vidas é frequente ouvir, com toda a naturalidade, que determinado individuo é maquiavélico ou que determinado comportamento é maquiavélico. Porventura, alguns de nós já fomos mesmo vítimas de gente maquiavélica ou de atitudes ardilosas que nos prejudicaram.

Na verdade utiliza-se esse termo para pessoas com comportamentos sem escrúpulos e sem ética, para práticas de manipulação, para a obtenção de vantagens a qualquer preço e para posições sem respeito por códigos morais.

Na política, maquiavélico é aquele que pratica quaisquer acções, boas ou más, para se manter no poder, pois o que verdadeiramente importa é a eficácia dos actos seja qual for o dano para terceiros.

Numa palavra, este adjectivo tão divulgado em toda a parte e em todas as línguas, significa que “os fins justificam os meios” sejam eles quais forem.
Ora esta palavra maquiavélico deriva do nome de Nicolau Maquiavel, nascido em Florença em 1469 e falecido em 1527, que foi historiador, poeta, diplomata, musico e uma das mais destacadas e conhecidas personalidades do Renascimento.

Mais concretamente, o termo e o seu significado resultam de uma critica injusta feita pelo cardeal inglês Reginald Pole ao livro que Maquiavel dedicou ao príncipe Lourenço de Médici II, publicado após a sua morte ocorrida em 1532, no qual se davam conselhos relativamente ao poder e ao seu exercício e que passou a constituir um dos primeiros tratados de ciência política que se conhece.

Ali se refere, entre muitos “ensinamentos”, o que é necessário para manter o poder, o que é preciso para ser amado pelo povo e pelos nobres e também ali se diz que é preferível ser temido que ser amado. Em nenhum momento porém se encontra a expressão tão propalada de que “os fins justificam os meios”.

Acrescente-se ainda que o próprio Maquiavel caiu em desgraça aos 43 anos depois de 15 anos de serviços prestados aos príncipes.

Anos mais tarde, contextualizada essa obra e estudado com cuidado o seu conteúdo, autores como Espinosa, Rousseau e outros estudiosos, concluíram que O Príncipe não retratava o pensamento de Maquiavel mas constituía antes uma sátira sobre os costumes da época e um alerta para os perigos da tirania.

Contudo, nada disto valeu ao pobre do Maquiavel cujo nome ficou ligado ao pior que pode haver no comportamento humano, sobretudo no que respeita a certas condutas por parte dos detentores do poder.

Uma coisa porém é certa, mesmo sem lerem O Príncipe, há e sempre houve gente maquiavélica em todas as sociedades.

Ele, o Nicolau Maquiavel, é que não pode ser responsável por isso.



Fernando Menezes


Colaboradores:

Ilustração: Ken Donald
Crónica: Fernando Menezes
Gatafunhos: Tomás Silva
Chegadas: Aurora Ribeiro
Artes Plásticas: Ana Correia
Ciência: João Gama Monteiro


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quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Edição nº6


CRÓNICAZINHA....

Por uma noção de cultura

ou dos perigos das "políticas culturais"


De que falamos nós quando falamos de cultura?

Recorro a Vitorino Nemésio que foi pioneiro, em Portugal, do interdisciplinar: “Cultura é uma perspectiva convergente e unitária de vários ramos do saber”. Está bem presente nesta afirmação uma ideia de cultura como diálogo e confronto. Isto é, uma noção de cultura que implica cruzar saberes e campos de pesquisa.

Reflectir sobre a cultura é fazê-la, construí-la, interpretá-la e torná-la viva – não é a mera ostentação de saberes. Porque em tempo de Internet, CD-Rom, imagem virtual e outras tecnologias da informação e da comunicação, o nosso conceito de cultura não pode ficar cristalizado em valores do passado. Refiro-me à cultura prestígio, erudição, “bric-a-brac” de ideias feitas, sucessão de datas e nomes para esquecer ou para lembrar apenas quando for necessário.

E, quanto a mim, a questão põe-se nestes termos: queremos, de facto, que a cultura nos traga uma mudança? Ocorre-me aqui a conhecida frase do escritor Lampedusa: “É preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma”, dita pelo príncipe Di Salina no filme O leopardo.

Nos tempos que correm, cultura deverá ser entendida como factor de liberdade individual e motor de desenvolvimento colectivo.

O conceito novo de cultura tem a ver com o que somos e com o modo de o ser, com a forma de estar no mundo, com o sentido que trazemos da beleza e da justiça, com a maneira por que exprimimos os nossos sentimentos de alegria ou tristeza, com o que comemos e com o que vestimos, com os cuidados que prestamos ao nosso jardim ou à casa que habitamos. Uma perspectiva de cultura que tem a ver também com a paisagem que nos cerca, com os lugares que amamos ou que escolhemos para viver. Por conseguinte, uma ideia de democracia cultural que pressupõe que todos somos portadores de cultura, fazedores de cultura.

É por isso que sempre desconfiei das chamadas “políticas culturais”… Os estados autoritários e as ditaduras é que costumam ter uma “política cultural”. As democracias felizmente não. Estaline tinha uma “política cultural” e através dela mandou matar todos os seus inimigos… Hitler tinha uma “política cultural” e ordenava aos artistas que exaltassem os méritos da juventude hitleriana, os malefícios do judaísmo e a supremacia do nacional-socialismo. Salazar também teve uma “política cultural” (via António Ferro); a celebrada “política do espírito”, que deu no que deu… Da “revolução cultural” chinesa é melhor nem falar…


Aqui há uns anos atrás, países como a união Soviética também tinham “políticas culturais” bem definidas: mandavam os escritores escrever sobre barragens ou sobre a necessidade de se aumentar a produção de trigo, ou sobre os triunfos espaciais soviéticos como prova da bondade do comunismo…

É assim nos regimes de força. Nas democracias, quem faz a cultura são os indivíduos, de sua livre iniciativa. A cultura de uma sociedade livre não é planificada nem dirigida pelos gestores estatais, nem regionais: a cultura de uma sociedade livre e saudavelmente democrática é aquela que fazem, livremente, os seus cidadãos. Mas atenção: cultura não deve ser confundida com animação e diversão, conforme se vai vendo por aí…

Por conseguinte, na minha opinião, não deve o governo ter aquela “política cultural” que as ditaduras acham essencial que se tenha. É óbvio que o governo deve apoiar a cultura, mas discretamente, sem dirigismos e sem paternalismos.

Aprendamos com os erros do passado. E também com os do presente – pois que, em Portugal, continuamos a fazer da cultura uma actividade subsidiária…



Victor Rui Dores


Colaboradores:

Ilustração: Ana Correia
Crónica: Victor Rui Dores
Gatafunhos: Tomás Silva
Chegadas: Aurora Ribeiro
Artes Plásticas: Albino e Ana Correia
Literatura: Ilídia Quadrado
Ciência: Fernando Tempera


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